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O Futuro das Finanças e o Futuro da Humanidade

Jônadas Techio
nov. 8 - 12 min de leitura
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Reflexões filosóficas sobre os impactos da tecnologia em nossa autocompreensão

Quem somos? Esta é uma das questões centrais da filosofia, talvez a questão mais fundamental a ser respondida por essa disciplina. Outras ciências, tais como a história, a antropologia e a biologia, preocupam-se igualmente em compreender quem somos. Mas o que é distintivo da análise filosófica é sua pretensão de generalidade e de radicalidade (no sentido de ir até as raízes). Nessa busca por compreender quem somos, a filosofia acaba se deparando com questões que dizem respeito à nossa relação com a tecnologia - por exemplo, seríamos nós seres essencialmente tecnológicos? O que nos distingue de outros animais que também usam ferramentas?

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Uma hipótese de resposta a essas questões, que merece ser investigada com mais vagar, é que sim, somos essencialmente seres tecnológicos, e que o que nos distingue de outros usuários de ferramentas é a coordenação e cooperação social mediada por narrativas. O filósofo alemão Martin Heidegger, por exemplo, afirmou em Ser e Tempo que o que é distintivo sobre nós, humanos, é que nosso próprio ser está sempre em questão - ou seja, as próprias condições de nossa existência não estão estabelecidas de modo definitivo, não são estáticas e imutáveis. Nesta mesma linha, Jean-Paul Sartre afirmou que nossa existência precede nossa essência. O que isso quer dizer fica mais claro no contraste com o modo de ser de artefatos, os quais são criados a partir de um plano ou design que existe, antes de tudo, em nossa mente. Nesse sentido, pode-se dizer que a o que a essência de artefatos (i.e., seu design) precede sua existência efetiva. Por muito tempo a narrativa preponderante na cultura ocidental tratava os seres humanos como, justamente, uma espécie de artefatos: como parte da criação divina, nosso design teria, de algum modo, existido previamente na mente de Deus. A proposta de Sartre inverte essa narrativa, abrindo espaço para uma espécie radical de liberdade. Um último autor que gostaria de citar neste contexto é o filósofo canadense Charles Taylor, que nos definiu como animais autointerpretativos. Essa definição apanha algo central das duas anteriores, ao mesmo tempo em que deixa explícito que uma das condições para que mudemos as condições de nossa existência são justamente as narrativas que criamos para nos autointerpretar. 

Uma implicação importante dessa concepção filosófica sobre o que nos define diz respeito ao modo como compreendemos nossas Instituições: essencialmente, elas seriam formas de estabilizar e de perpetuar as narrativas que criamos para nós mesmos, sobre nós mesmos, tendo em vista otimizar nossa cooperação social e, em última instância, garantir a sobrevivência do nosso grupo. (Conclusões nesse sentido foram defendidas por Yuval Noah Harari em Sapiens.) Exemplos importantes de Instituições que serviram a esse propósito durante grande parte de nossa história são a Religião e o Estado. Outro exemplo - ao qual eu, particularmente, só passei a olhar sob esse prisma recentemente, por razões que em breve apresentarei - é o Dinheiro.

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Assim como novos desenvolvimentos tecnológicos ocorridos a partir da modernidade afetaram o poder das instituições religiosas (p. ex., as tecnologias de navegação, de observação cosmológica, de impressão e difusão de textos, dentre outras), mudanças mais recentes em nossas tecnologias de comunicação e acesso à informação têm claramente afetado a estabilidade e o poder do Estado (p. ex., a internet, as redes sociais, os aplicativos de mensagens instantâneas, os dispositivos e as redes móveis, etc.). Mas há mudanças ainda mais radicais começando a surgir, as quais deverão mudar fundamentalmente, talvez pela primeira vez em nossa história, essa outra instituição tão importante em nossas vidas: o Dinheiro. 

O Dinheiro é uma tecnologia social que está na base de nossa capacidade de cooperação. Sem o uso de um padrão monetário compartilhado simplesmente não teria sido possível o tipo de coordenação necessário para estabilizar as trocas entre um grande número de indivíduos não pertencentes a uma mesma tribo. Claro, a própria existência de um tal padrão é condicionada por uma série de outros fatores - outras tecnologias sociais - tais como técnicas de registro e de contabilidade e, o que é mais importante para os fins desta reflexão, algum tipo de autoridade publicamente reconhecida, capaz de garantir que as regras estabelecidas serão cumpridas, que não haverá fraude, e assim por diante. Inicialmente essas foram funções centrais de nossas Instituições Religiosas, as quais procuravam legitimar sua autoridade apelando a narrativas que estipulassem uma origem superior e transcendente de poder. Mas, em parte devido às mudanças tecnológicas mencionadas anteriormente, a cultura ocidental passou por mudanças importantes de autointerpretação a partir da modernidade, o que, por sua vez, levou a um progressivo enfraquecimento do poder de convencimento das narrativas religiosas tradicionais. Sob o risco de um colapso social, precisamos criar novas narrativas para cumprir a finalidade de estabilizar nossa cooperação. Nessas novas narrativas, a autoridade não adviria de um poder transcendente, mas sim de um poder imanente - alguma espécie de acordo ou contrato estipulado livre e autonomamente entre os próprios indivíduos que constituem o grupo. Sendo agentes livres e racionais, esses indivíduos chegariam à conclusão de que uma limitação de suas liberdades individuais seria uma condição de possibilidade para algum tipo de bem maior (em última instância, para a própria sobrevivência do grupo). Com essa nova narrativa começa a surgir o Estado em sua concepção propriamente moderna. 

Desde então e até muito recentemente, a emissão, a regulamentação e a coerção para se usar um determinado padrão monetário tornou-se uma função exclusiva e fundamental de Nações-Estado, garantida pela prerrogativa do monopólio da violência (uma das partes mais importantes da nova narrativa que criamos para estabilizar nossa cooperação social).

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A nova e radical mudança tecnológica que está no horizonte é justamente o surgimento de um padrão monetário que independe do controle do Estado e que, portanto (pelo menos em teoria), independe do uso da violência para ser adotado e regulado. Refiro-me, claro, às Criptomoedas, tais como o Bitcoin, que constituem uma espécie de dinheiro digital tornado possível pela colaboração voluntária de inúmeros indivíduos que se organizam em redes completa ou parcialmente descentralizadas, não delimitadas geográfica ou politicamente, e que é assegurado por tecnologia criptográfica - portanto, em última instância, por leis puramente matemáticas (aliadas, é claro, a um enorme poder de computação distribuído pelos “nós” dessas redes). 

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Como ocorre com o surgimento de qualquer tecnologia radicalmente nova, os resultados dessa mudança são, em grande medida, imprevisíveis, e podem ser tanto positivos quanto negativos. Tudo depende de como nós, agentes autointerpretativos que cooperam socialmente com base em narrativas, interpretaremos essa mudança e, por conseguinte, do modo como ela afetará nossa própria compreensão de quem somos, de que instituições precisamos, de que mundo queremos. No lado negativo, essa mudança tem o potencial de desestabilizar ainda mais nosso já fragilizado Estado e, como consequência, o funcionamento das demais instituições responsáveis por garantir coesão e cooperação social. Assim, além de aprofundar crises já em andamento, novas e inesperadas crises podem surgir conforme a adoção de criptomoedas continue acelerando. No lado positivo, tais mudanças podem abrir espaço para que criemos novas e melhores instituições e práticas de cooperação, o que pode ser muito bem-vindo para aqueles que acreditam, como eu, que as instituições centralizadas vigentes estão ultrapassadas e cada vez mais próximas da falência. Por dependerem menos do poder do Estado, essas novas práticas estariam, pelo menos em princípio, livres das limitações constitutivas desse poder (novamente, o uso da violência, a criação de barreiras geográficas e políticas tradicionais, e assim por diante).

Refletir sobre essas possibilidades é fundamental para alguém que queira compreender de onde viemos, onde estamos e para onde vamos - o que, por sua vez, é uma condição para que estejamos preparados para deliberar e agir de forma mais bem embasada nesse novo mundo que está começando a surgir, contribuindo para que ele seja melhor do aquele que, ao que tudo indica, estamos deixando para trás.

Isto me leva, finalmente, ao tópico dos Investimentos, que pode parecer um tanto deslocado dos dois tópicos que o antecederam: Filosofia e Tecnologia. No entanto, e para minha própria surpresa, cada vez mais me convenço de que eles não apenas se aproximam, mas que um tratamento conjunto desses assuntos pode ser necessário, sobretudo em um momento de crise e de transformação tão radical quanto este pelo qual estamos passando.

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Investir não passa de, em última instância, fazer uma aposta no futuro. Ora, se o futuro está prestes a mudar de forma tão radical quanto imagino que esteja, então o tipo de  reflexão filosófica que estou propondo pode ser de grande utilidade prática. Investidores, sobretudo aqueles interessados em tecnologias com alto potencial disruptivo, são um motor fundamental das mudanças que ocorrem em uma sociedade capitalista. O mesmo se aplica, é claro, aos empreendedores que idealizam essas tecnologias. Por conseguinte, se o raciocínio esboçado até aqui estiver na direção certa, devemos concluir que decisões desses investidores influenciarão diretamente o desenvolvimento de novas formas de cooperação social, e, em última instância, de novas formas de compreendermos a nós mesmos. Acredito que, em maior ou menor grau, de forma mais ou menos consciente, tais questões já estão no horizonte de reflexão de investidores interessados em obter uma "visão macro" (não apenas macroeconômica). 

Para levar adiante essa reflexão lancei o Podcast TecnoFilo, no qual pretendo continuar investigando como mudanças tecnológicas, particularmente aquelas que afetarão o funcionamento de nosso Dinheiro e de nossas Finanças, somadas a outras mudanças importantes que começam a surgir em áreas como Inteligência Artificial e Web 3.0 poderão alterar nossa compreensão de nós mesmos. Nessa jornada, pretendo fazer uso de fontes que procuram criar uma ponte entre a reflexão filosófica e o conhecimento técnico necessário para compreendermos a transição do Dinheiro Fiduciário para as Criptomoedas, Blockchains, Finanças Descentralizadas, NFTs, e assim por diante. Meu objetivo mais imediato é educar a mim mesmo, mas como não há melhor forma de aprender do que ensinar, tentarei buscar essa educação em público, compartilhando, sempre que possível, recursos para que outros possam aprofundar suas reflexões e chegar às suas próprias conclusões. E como nada pode ser mais prejudicial a uma investigação filosófica do que dogmatismo e uma visão monolítica, gostaria de convidar a todas e todos que se interessem pelo assunto para contribuir com comentários e sugestões, gerando um diálogo aberto e produtivo. 

Abaixo indico alguns dos recursos que usei para começar a pensar sobre esses assuntos, e aos quais pretendo retornar com mais detalhe em ocasiões futuras.

 


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